sábado, 14 de agosto de 2010

Os miseráveis

Discute-se a possibilidade de se transformarem pessoas individuais beneficiárias de apoios do estado em prestadores de trabalho socialmente útil. Até aqui parece uma ideia inofensiva. Mas pode-se tentar ver para além disso, recorrendo a exemplos que uma criança compreenda:
Se a ideia se concretizasse, quem fosse pessoa individual e beneficiária (por estar, por exemplo, sem trabalhar e sem direito a subsídio de desemprego) ficaria com obrigações que, sendo de todos, apenas seriam executadas por quem estivesse abrangido por um estatuto de subalternidade social, eventualmente encurralável numa perversa lógica que poderia servir para instituir novas formas de escravidão remunerada. Seria o caminho que conduziria informalmente ao estabelecimento do estatuto de cidadão de segunda que, encurralado pelo "direito" a ser ajudado pela sociedade onde não consegue ter um papel produtivo (vamos assumir que os beneficiários não são todos malandros, apesar de haver destes últimos abundantemente), ficaria preso num ciclo de dependência subalterna e subserviente.
A essa subalternidade de raiz moral está subjacente a mesma lógica que levou, desde sempre, a dona de casa (sou filho de uma mulher que foi educada para "escorraçar da cozinha, a toque de rolo de massa", marido ou filho que quisessem meter mão nas suas panelas, pelo que convivi desde que nasci com uma mulher que se auto-atribuiu estoicamente o dever de ser escrava desse desígnio) a ficar condenada a executar as tarefas que, sendo eticamente executáveis por todos os membros do lar, estavam moralmente reservadas ao "sexo fraco".
Defender o património de todos é uma obrigação de todos, e não apenas dos que não têm poder ou estatuto. Quem puder limpar a floresta deve faze-lo. Somente isso. Todos o devem fazer, e não apenas os desempregados ou os socialmente fragilizados (em vez do "sexo fraco" teríamos o "cidadão fraco"). O que foi a recente iniciativa "Limpar Portugal" senão isso? - http://www.limparportugal.org/
É óbvio que quem está desempregado e a ser apoiado, e disponha de tempo que literalmente não empregue, deverá sentir-se mais obrigado a colaborar (era o que eu sentiria), mas por uma questão de disponibilidade pessoal e vontade patriótica - amor à terra -, e não por uma questão de sentido de retribuição, pois se é verdade que um indivíduo pode contar com o apoio da sociedade quando necessita, também é verdade que contribui para o financiamento do estado (não só da segurança social) quando trabalha.
Em tempos de crise, era o que faltava utilizar a falência do modelo económico ocidental para criar estratos que dividam os cidadãos. Isso não é justo, tampouco patriótico. É um pensamento cínico, indigno do patriotismo que provém de valores nobres. Um líder vai à frente, assume a iniciativa, a fazer e não só a mandar fazer, muito menos a empurrar para a linha da frente os peões sacrificáveis da sociedade, tornando-os no combustível de um modelo social de transição. Procura soluções e não culpados (nomeadamente soluções que passem pela regeneração da capacidade industrial e agrícola do nosso país).
Todos somos diferentes, com características diferentes e capacidades diferentes, mas não somos mais humanos uns do que outros. O sangue que lidera não deve servir para subjugar o seu patrício, mas para lhe mostrar o caminho e o modo, o inspirar. Pois só a inspiração, o orgulho e a vontade assim cultivada tornam um povo na seiva da sua civilização. Nisto consiste a nobreza, e não numa forma suavemente sofisticada de despotismo. O miserabilismo persecutório que lemos pela pena de Victor Hugo (em "Os Miseráveis") não fomenta virtuosismo patriótico, mas o recalcamento calado do sentimento que nasce da injustiça. Não gera vontade, mas mágoa. Dizia ainda o referido escritor: "Aceito, assim, as grandes necessidades, mas somente sob uma condição: que sejam a confirmação dos princípios e não o seu desrespeito."

Sejamos honestos: o território é de todos, logo, mante-lo é obrigação de todos. Por ordem de disponibilidade voluntariosa, e não de estatuto. Chegará certamente como castigo a vergonha de quem pode e não faz.

Quanto à participação das forças armadas, julgo ser óbvio que proteger a nação e o seu território inclui protege-lo de todo o tipo de ameaças, incluindo a do fogo. Assim entendi o juramento que fiz perante a bandeira nacional quando cumpri o meu serviço militar.
A participação das forças armadas no combate aos fogos devia ser massiva, e não tímida.

Por último, respeito as pessoas que têm opinião contrária à minha, desde que a manifestem frontalmente, em contexto de abertura e boa-vontade. Não respeito quem se dedica cobardemente, no asco da conspiração, recrutando "paus-mandados para toda a colher", a minar a vida e a credibilidade de quem produz uma outra opinião que não se é capaz de refutar.
É uma questão de carácter.